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Kandisha: entidade e exorcismo fora dos preceitos cristãos

Quando vemos possessões e exorcismos sendo trabalhados em filmes de terror, é comum que as entidades estejam dentro de uma visão cristã bem dualizada: o que é bom é 100% bom, e o que é mal é 100% mal. E embora essa linha narrativa não seja um grande problema (afinal, as vezes a gente só quer ver um demônio bestializado sendo exorcizado com cruz e água benta), é interessante assistir produções que vão além desse conceito dicotômico.


Kandisha é um desses casos. No quinto longa codirigido pela dupla Alexandre Bustillo e Julien Maury – as cabeças por trás de À l'intérieur (2007), Livide (2011), Aux Yeux des Vivants (2014), Leatherface (2017) e o mais recente The Deep House (2021) –, somos apresentados à lenda de Aicha Kandisha, uma entidade marroquina que seduz homens os guiando para a morte. Existem inúmeras variações do mito, mas aqui ela é apresentada como uma mulher em busca de vingança após o assassinato de seu marido pelos colonizadores portugueses.


Mas apesar da força desse contexto, que daria um roteiro por si só, não é Aicha Kandisha quem protagoniza o filme. Com o objetivo de "trazer a mágica para os subúrbios, e os subúrbios para a mágica", os diretores/roteiristas escolheram contar a história de um grupo de adolescentes franceses grafiteiros que invocam a entidade em um momento de impulso e desespero e, após isso, precisam lidar com as terríveis e mortais consequências.



Um dos pontos altos do filme é a naturalidade e diversidade do trio de protagonistas. As amigas Amélie (Mathilde La Musse), Bintou (Suzy Bemba) e Morjana (Samarcande Saadi) transmitem um sentimento genuíno de cumplicidade, afetividade e intimidade. Além disso, cada uma delas é devidamente contextualizada, com suas personalidades e histórias de vida diferentes, sem que isso pareça forçado ou unidimensional. O mesmo se pode dizer do restante do grupo, por mais que não tenham o mesmo tempo de tela.


No entanto, é questionável o desenvolvimento da história. Sem revelar muito, arrisco a dizer que é um tanto quanto frustrante ver personagens tão ou mais interessantes sofrendo as consequências e ficando à mercê das atitudes impensadas dos protagonistas padrões. Mesmo que nesse caso a ação inicial seja bem sólida e até justificável, não deixa de ser cruel a intensidade das consequências e a duração até que se tome alguma atitude – embora isso seja um recurso comum dentro do gênero.


E falando de gênero, Kandisha é um prato cheio para quem curte assistir mortes violentas e elaboradas, apesar de manter uma estética bem clean. Algumas cenas causam agonia e arrepios genuínos só de se imaginar a dor. O design da entidade também chama a atenção, com aparições e transformações impactantes e memoráveis ao longo de sua evolução. No final das contas, o filme acaba como uma boa pedida para quer se entreter à noite e sair do lugar comum quando se trata de entidades, rituais e exorcismos.


 

Kandisha (2020)


Direção Julien Maury, Alexandre Bustillo

Duração 1h25min

Gênero(s) Terror

Elenco Mathilde La Musse, Samarcande Saadi, Suzy Bemba +


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