É muito interessante como o clássico seriado Além da Imaginação com seus mais de 60 anos de existência consegue ser influente em vários aspectos e temáticas no audiovisual. Digo isso porque Lucky, segundo a roteirista Brea Grant, foi feito intencionalmente para parecer um grande episódio saído da quinta dimensão.
Dirigido por Natasha Kermani e estrelado pela própria Brea Grant, o filme ao estilo home invasion conta a história de May Ryer (Brea Grant) uma escritora de autoajuda cujo livro "Seguir em Frente Sozinha" tem como assunto o incentivo da autossuficiência das mulheres. Ela é casada e ao chegar em casa após receber uma noticia não muito boa de sua editora, deixa transparecer em conversa com o marido que a relação dos dois está abalada.
Na mesma noite, ela passa a desconfiar que está sendo observada e que alguém está tentando invadir sua casa para matá-la. Ted, seu companheiro, tem um comportamento estranho, ele age como se aquilo fosse natural e fica mais irritado com o nervosismo da esposa do que com a ação criminosa. "É assim toda noite", diz ele. A mesma cara de estranhamento que May faz, eu fiz. O lance é que a coisa se repete mesmo, noites e mais noites, ela pede ajuda só que ninguém parece acreditar nela. É ela por ela mesma. Sozinha, seguindo em sua auto defesa, como diz seu próprio livro.
É com esse mote que Lucky - Uma Mulher de Sorte se sustenta. Uma premissa que aparentemente parece simples, mas que abrange camadas e mais camadas sobre questões sociais, traumas, anseios do mundo feminino e medos sobre o que é viver e ser mulher em um mundo dominado e feito para dar credibilidade aos homens.
Ao redor de May parece que todos entendem o que se passa, menos ela e a gente. Somos conduzidos de maneira que as coisas se revelem pra gente ao mesmo tempo que para a protagonista, recurso interessante, embora cansativo pela quantidade de repetição como se fosse um Dia da Marmota do terror. Para deter o invasor, May apela para os mais variados recursos. Desde um bastão de beisebol a alarmes anti-invasão. Não adianta, mesmo morrendo todas as noites das formas mais brutais, o homem continua batendo o ponto em sua insistente missão. Nem a policia parece mais acreditar, embora atenda o chamado de May. Na verdade, eles parecem saber o que se passa e debocham dela.
Pesadelo? Alucinação? Pegadinha? São questionamentos que fazemos no decorrer da trama até a verdade ser revelada. Nesse meio tempo, cabem pensamentos que nos levam ao começo de tudo isso, com uma frase dita por Ted, esposo de May "é assim que as coisas são". Mas, será mesmo? Será que não dá pra mudar? Tem que mudar! Mesmo que o enfrentamento nos custe algumas cortinas e máscaras sociais arrancadas. Mesmo que nos custe o desmoronamento de algumas de nossas verdades e convicções. Ela percebe que, como louças rachadas ou quebradas, coisas ao seu redor estão se desfazendo, metaforicamente falando.
Pela subjetividade e camadas que Lucky traz, a experiência de como se recebe o filme pode
não agradar aos olhares de quem busca por respostas fáceis, grafismos ou vingança gratuitas. Parece querer mais lançar debates além da obra do que entregar respostas prontas e mastigadas. Vale.
Lucky - Uma Mulher de Sorte (2020)
Lucky
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Natasha Kermani
Duração 1h23min
Gênero(s) Terror, Suspense, Comédia
Elenco Brea Grant, Dhruv Uday Singh, Kausar Mohammed +
Comments