Dia desses chegou no meu email um aviso da Filmicca sobre um body horror francês dirigido por mulher e que se passa numa cozinha profissional de um restaurante conceituado. Rapidamente me interessei em ver e coincidiu justamente com o curso que estou fazendo no MIS ministrado pela Beatriz Saldanha. Depois que assisti fiquei com vontade de comentar e trazer ele aqui para o blog. É bem curioso pensar em Horror Corporal e associar automaticamente ao David Cronenberg, pois a gente sabe que ele elevou à decima potência várias questões ligadas à carne, sangue, fluidos e corpo, ressignificando, inclusive, algumas dessas coisas.
A história aqui é simples e direta. Haute Cuisine ou Novo Sabor (2019) é dirigido por Merryl Roche e acompanha Marie (Joséphine Japy) sendo a mais nova funcionária do restaurante do estrelado chef Bruno Mercier (Philippe Résimont). Ela quer alavancar sua carreira e impressionar, mas segue sendo perseguida e pressionada pelo subchef Thomas (Sebastien Houbani), um homem bruto e invejoso que quase sempre solta palavras humilhando a moça, pois vê nela uma rival em potencial.
A cozinha de um restaurante costuma ser um ambiente de alta pressão e com riscos de ferimentos, além da correria para ter os pratos prontos em tempo, tem os instrumentos, principalmente de cortes com fios bem afiados. É num dos momentos tensos do dia, de troca de cardápio e correria, que Marie se corta e o sangue da sua mão acaba pingando acidentalmente no molho que ela preparava para a noite. Bruno prova o molho, fica impressionado com o sabor e a partir daí tudo muda.
É um curta que leva muito a sério a expressão “ter que dar o sangue pelo trabalho”. Nunca fez tanto sentido essa frase e aqui a coisa é elevada ao extremo, já que estamos lidando com o horror corporal, a exaustão do corpo, da carne e do sangue são exploradas e levadas a exaustão. A gente se pergunta o tempo todo até onde Marie vai conseguir levar esse segredo? Até quando seu corpo vai suportar ela tirando seu próprio sangue? E mais...e quando seu truque já fizer mais efeito no paladar de seu chefe? Qual o próximo truque ou fluido que ela usará?
O curta também traz algumas outras questões de gênero em que Marie é pressionada e isso fica bem evidente quando o subchef Thomas chega para ela e diz que lá ela não será protegida por não está no restaurante do pai. É muito claro que a tensão entre os dois vai além da competição e vaidade. Marie, por ser mulher e está num ambiente geralmente dominado por homens, tem que fazer e se desdobrar duas vezes mais para provar que é capaz. Além de driblar o machismo, ela tem de driblar também um homem pegando no seu pé e tentando provar para ela que ela não é capaz. Mundo cão, mundo cruel. Aqui pouco importa em que estado emocional os empregados de Bruno estão, desde que os pratos saiam lindos, perfeitos e gostosos. É desse extremo que estamos falando.
Merryl Roche, além de diretora é também roteirista e tem apenas dois curtas em seu currículo, mas parece manter o gosto pelo horror da carne e da pele como em Irritação na Pele, seu curta de 2014 e que aborda também a obsessão pela dor e pela mutilação em prol de algo maior.
Joséphine impressiona com sua interpretação e expressões delicadas que contrasta com a brutalidade e a ferocidade que é o mundo da alta gastronomia. De um olhar de apreensão ao ser avaliada ao sorriso discreto de canto de boca demonstrando alivio. De altamente controlada a estar prestes a desabar e quando isso acontece, um novo mundo de possibilidades se abre diante dos olhos de Marie. Eu fiquei com muita vontade de continuar vendo essa jornada que tem apenas 24 minutos, mas entrega genuínos momentos de tensão e horror.
NOUVELLE SAVEUR (2019)
Novo Sabor
IMDb | Rotten Tomatoes | Letterboxd | Filmow
Direção Merryl Roche
Duração 24 min
Gênero(s) Terror
Elenco Joséphine Japy, Sébastien Houbani, Philippe Résimont Serge Dupuy, Ophélie Lehmann ,Sandrine Arnaud +
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