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Filmografia: Jennifer Chambers Lynch

Para a nossa segunda filmografia, decidi manter a temática do Mês da Mulher, tirando um tempo para (re)assistir as produções de Jennifer Chambers Lynch, uma diretora, roteirista e escritora, que há anos vem tentando ganhar seu espaço na indústria, apesar das polêmicas envolvendo seus filmes e da aparente insistência da crítica e do público em julgarem suas obras a partir das expectativas geradas por seu pai, o também cineasta David Lynch.


Formada em Artes Visuais e Escrita Criativa pela Interlochen Arts Academy, a primeira obra de sua autoria foi o livro The Secret Diary of Laura Palmer - publicado em 1990 -, um spin-off da série Twin Peaks, que conta a história sob a perspectiva da personagem que dá nome ao romance. Mas foi somente em 1993 que iniciou sua carreira como diretora, e desde então vem nos trazendo intensos thrillers psicológicos abordando os piores lados da humanidade.

 

Encaixotando Helena (1993)

Boxing Helena


O longa de estreia da diretora foi escrito quando esta tinha apenas 19 anos, mas mesmo com o peso de seu sobrenome, "ninguém quer uma jovem garota loira para dirigir um filme", como comentou em entrevista ao Los Angeles Times¹. E embora outros cineastas tivessem demonstrado interesse em dirigi-lo, ela se manteve firme na decisão de apresentar a história para o público, uma vez que a probabilidade de deturparem fosse bem alta.


Todas essas questões são relevantes, uma vez que a trama se baseia em um médico cirurgião, o Dr. Nick Cavanaugh (Julian Sands), que desenvolve uma intensa obsessão por Helena (Sherilyn Fenn), uma mulher com quem já se relacionou. E mesmo estando em uma relação sólida, ele tenta desesperadamente reconquistá-la, até que se vê em uma posição favorável quando a jovem sofre um terrível acidente que a deixa sob seus cuidados.



É de se imaginar que o filme pudesse seguir caminhos fáceis, repletos de sangue e extrema violência, mas Jennifer decide manter um clima mais fantasioso, e até mesmo onírico, onde seus personagens dão vazão às suas naturezas e desejos mais obscuros - o que, querendo ou não, acaba causando bastante incômodo, uma vez que reconhecemos e tememos tais padrões de comportamentos, principalmente do protagonista.


A execução e desenvolvimento de Encaixotando Helena podem não ser dos melhores, mas já no início da carreira de Jennifer podemos notar sua capacidade criativa para histórias densas e metafóricas, e uma constante crítica ao comportamento misógino de homens que desejam mulheres, mas que as tratam como objetos sem escolha própria que precisam ser possuídos e podem ser usados como preferirem.



 

Sob Controle (2008)

Surveillance


Quinze anos depois de sua estreia no cinema, Jennifer retoma com um intenso suspense policial que fez história no NYC Horror Film Festival de 2008, onde pela primeira vez uma mulher venceu na categoria de Melhor Direção, e Ryan Simpkins se tornou a mais jovem atriz a ganhar o prêmio de atuação.


Na trama, acompanhamos Elisabeth Anderson (Julia Ormond) e Sam Hallaway (Bill Pullman), dois agentes do FBI, na investigação de diversos assassinatos brutais que ocorreram numa região deserta. O objetivo principal da dupla é analisar o depoimento de três testemunhas que presenciaram o ocorrido, cada uma com sua própria versão dos fatos, e alguns segredos a esconder.



Com uma tensão crescente, a diretora consegue nos causar desde o início a sensação de que algo está errado e de que alguém não é o que aparenta ser. A desconfiança entre seus personagens é quase palpável, uma vez que representam lados da sociedade que muitas vezes são tidos como opostos, o que alimenta ainda mais animosidade entre as partes.


"Eu realmente queria investigar e mostrar assassinos em série de uma forma nunca vista antes e a sabedoria de uma criança de uma forma que eu nunca vi antes", diz a cineasta em uma entrevista², e por mais que a resolução final possa ser previsível para os aficionados por suspense, ainda sim é satisfatório de assistir pela sua construção e atuações.



 

Hisss (2010)


Filmado simultaneamente em inglês e hindi, o terceiro longa da diretora é o que mais destoa do restante de sua filmografia. E pelo que a história dos bastidores sugere, muito disso se dá pela ausência de Jennifer na pós-produção, uma decisão que partiu dos produtores que buscavam uma versão mais adequada aos moldes de Bollywood. "Não é meu filme. Eu filmei, mas então eles levaram embora, cortaram, editaram, sonorizaram", ela afirma³.


Mas com isso em mente, vamos à história que chamou a atenção da cineasta em primeiro lugar. George States (Jeff Doucette) é um paciente terminal de câncer que encontra em uma antiga lenda a possibilidade de uma vida eterna. O único problema é que a pedra preciosa com poderes mágicos é guardada por uma mulher-cobra (Mallika Sherawat), e para consegui-la ele decide capturar o amante da divindade para usá-lo como recompensa.



Importante ressaltar que durante essa jornada, outros núcleos são inseridos, uma vez que a mulher-cobra sai ao resgate de seu amado, e acaba se deparando com vários abusadores, o que a leva a matá-los para defender a si mesma e outras vítimas. E nesse rastro de sangue, a história dela se cruza com a do policial Vinkram Gupta (Irrfan Khan), que investiga os assassinatos e sofre dificuldades com a esposa para gerarem o primeiro filho.


E se tudo isso parece confuso e bagunçado só de ler, assistir também não resolve muito. Com diversos furos e se apoiando em inúmeras conveniências de roteiro, o filme perde a oportunidade de contar uma história fantástica sobre uma criatura com bastante potencial. A sensação final é de que o filme se leva a sério demais quando poderia abraçar o trash, mas ao mesmo tempo é muito mal feito para ser levado a sério. Só resta então a nossa curiosidade sobre como ele poderia ter sido se estivesse totalmente no controle da diretora.



 

Acorrentados (2012)

Chained


Retomando às suas raízes, Jennifer traz de volta a temática de serial killer, mas sob uma perspectiva bem diferente do que estamos acostumados a assistir. Felizmente, dessa vez a diretora teve mais controle da produção, inclusive reescrevendo o roteiro original de Damian O'Donnell⁴, para que se adequasse mais ao seu estilo e visão.


A história é centrada em Bob (Vincent D'Onofrio), um assassino em série que mantém o filho de uma de suas vítimas como seu escravo/pupilo, o qual chama de Coelho (Evan Bird, Eamon Farren). Mas conforme os anos se passam, o garoto precisará decidir entre seguir os passos de seu sequestrador, ou arranjar uma forma criativa fugir do seu cativeiro.



Em um ambiente claustrofóbico que quase conseguimos sentir o cheiro (assim como o apartamento de Fritz Honka em O Bar Luva Dourada), nós somos cada vez mais inseridos nessa complicada dinâmica entre os personagens principais. Se por um lado há muito ódio e medo pelo que cada um representa para o outro, há também uma espécie de codependência, tanto psicológica, quanto sentimentalmente.


O ponto alto, além das incríveis atuações da dupla de protagonistas, é como a diretora conseguiu criar um clima de extrema violência e incômodo, mesmo sem se apoiar no torture porn. Além disso, seus personagens são muito bem construídos, e conseguimos entender a transformação de Bob em um assassino impiedoso, sem que haja romantização ou até mesmo redenção de seu personagem.



 

A Fall from Grace (2020)


A última produção da diretora traz algumas das temáticas já abordadas em suas obras anteriores. Em A Fall from Grace acompanharemos o Detetive Michael Tabb (Tim Roth) na investigação dos assassinatos de jovens garotas na cidade de St. Louis. O elenco ainda conta com Vincent D'Onofrio, Forest Whitaker e David Lynch.


O filme ainda não estreou ao grande público, mas com certeza ficaremos na espera de mais um thriller psicológico denso e instigante dirigido por Jennifer Chambers Lynch, bem como da comédia The Monster Next Door, seu futuro projeto sobre vampiros, zumbis e lobisomens.


 

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