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  • Foto do escritorTati Regis

The Blackening (2022)

Esses dias eu estava lendo uma entrevista com o pesquisador e escritor Marky Harris e ele disse uma coisa que me deixou pensativa: “Nos filmes de terror, ser negro tornou-se um beijo da morte tanto quanto fazer sexo, usar drogas ou dizer ‘tem alguém aí?’”. De fato, por muito tempo passamos a acreditar no estereótipo do “o negro morre primeiro”, mas de onde vem isso? Bom, segundo o próprio Harris que escreveu junto com a Dra. Robin Coleman o livro The Black Guy Dies First, não se tem uma data ou filme exato que seria o marco desse tropo. No entanto, eles reconhecem que o ano de 1968 foi um divisor e que um filme desse ano serviu como marco para personagens negros: Spider Baby de Jack Hill, onde o personagem de Mantan Moreland, conhecido de outrora por interpretar coadjuvantes cômicos nas década de 30 e 40, volta numa participação especial onde é morto logo na sequência inicial de abertura, inaugurando assim, segundo Harris, o estereótipo do “fantasma” negro nos filmes de terror que foi atualizado para o termo moderno “a vítima negra”. Ao mesmo tempo que discute sobre “o negro que morre primeiro” no livro, Harris e Coleman desmistificam esse mito e exploram o cinema negro de terror junto com as representações desde o surgimento até dias atuais em vários aspectos ao analisar uma lista imensa de filmes.


Dando um salto no tempo, um filme que brinca com o tropo da “vítima negra” é Pânico 2 (Wes Craven, 1997), com os personagens de Jada Pinkett e Omar Epps sendo esfaqueados também na sequência de abertura. Uma provocação que Harris também faz é que para alguns personagens negros, a morte prematura significa muitas vezes mais inclusão, colocando a participação de atores e atrizes como destaque, mesmo sendo mortos, bem mais do que não ser morto, pois para Harris, ser ignorado num filme de terror às vezes pode ser um destino mais doloroso do que a morte.


E aí chegamos em 2023 com The Blackening, um slasher que é uma mistura de sátira e metatexto que chega brincando com a pergunta “o que acontece quando todos no elenco são negros?”. O longa é dirigido por Tim Story, conhecido por adaptar Quarteto Fantástico (2005), trazer de volta Shaft (2019), entre outros. Já o roteiro é de Tracy Oliver e Dewayne Perkins da trupe de improvisação 3Peat que adaptou seu curta de mesmo nome feito em 2018 para o Comedy Central, disponível, inclusive, no Youtube. O mote do longa segue um grupo de jovens negros que são amigos e resolvem se reunir numa cabana na floresta onde passam a serem alvos de um assassino mascarado.


Parece igual a tantos outros slashers que ficaram famosos lá na década de 80 e 90, né? O diferencial aqui, além de ser um elenco quase todo negro, para se livrar da morte, eles jogam um jogo que tem que responder perguntas sobre a cultura afro-americana e escolher quem é o mais negro para morrer primeiro.

Tudo começa quando o casal Morgan (Yvonne Orji) e Shawn (Jay Pharoah) chega antes de todo mundo na cabana e enquanto esperam os amigos para o feriado de Juneteenth, celebração da emancipação de pessoas escravizadas nos EUA, descobrem no porão da casa um jogo de tabuleiro chamado The Blackening que traz seu personagem central um rosto ao estilo Sambo (ou Jim Crow, uma caricatura racista que traz uma representação estereotipada de negros e sua cultura). As luzes se apagam e eles são obrigados a jogar o tal jogo. Quando Shawn responde errado a pergunta sobre um personagem negro que sobreviveu em filmes de terror, ele é morto com uma flecha no pescoço. Morgan tenta escapar, mas, é capturada pelo assassino mascarado. No dia seguinte, o restante da turma chega na casa e de cara já são questionados por um guarda florestal branco chamado White (Diedrich Bader) sobre estarem naquela casa. Aquela velha coisa que a gente aqui no Brasil também enfrenta sobre ocupar um lugar que histórica e culturalmente é ocupado ou pertencente ao branco. Entre conversas, conflitos interpessoais, bebidas, drogas, brincadeiras e já adaptados ao ambiente, eles descobrem que os donos brancos da cabana podem trancar as portas e apagar as luzes de forma remota. Quando a luz acaba novamente, eles são conduzidos àquela sala de jogos e a voz vinda do tabuleiro diz que está mantendo Morgan presa os forçando a jogar para salvar a amiga.


Os desafios tem início com perguntas sobre o Hino Nacional Negro ou o que significa NAACP e igual ao início do filme, respostas erradas dão lugar a punições tendo a amiga sequestrada como vítima a princípio. Só que o terror não para por aí, o grupo tem que dizer dentre eles, quem é “o mais negro” e entregar a pessoa escolhida para o assassino. Após uma rápida discussão, eles decidem entregar aquele que assumiu ter votado em Donald Trump. Depois disso, eles são libertados e a corrida pela vida continua com muitas referências a outras obras mesclando muito humor, piadas, sangue pero no mucho e muitas questões que envolvem a comunidade negra estadunidense, sejam sociais ou culturais até dentro da própria Hollywood, como já indica a tagline do cartaz: “Não podemos todos morrer primeiro”.


Nos intervalos em que fogem do assassino, alguns personagens tem que resolver seus conflitos pessoais, como Lisa (Antoinette Robertson), Nnamdi (Sinqua Walls) e Dewayne (Perkins). Ou Shanika (X Mayo) uma mulher festeira que adora bebidas alcoólicas, lanches e não sabe nadar, mas se vê obrigada a entrar num rio quando fica de frente com o matador. Há também King (Melvin Gregg) que é um ex-gângster e agora diz que está “reformado” por ter se casado com uma mulher branca. Clifton (Jermaine Fowler) é um desajeitado estilo nerd piadista que todos se questionam como ele foi parar ali e quem o convidou. Cada membro do grupo carrega em si um mundo, uma história complexa e, mesmo que isso seja tratado superficialmente, o elenco abraça perfeitamente todas as suas psiquês.


Para além de tudo já dito, The Blackening ganha quando subverte os tradicionais clichês do slasher como a não presença de uma Final Girl ou por não ter os sustos fáceis ou os tipos moralistas de personagens desse subgênero. The Blackening perde quando decide não se aprofundar nos temas ou assuntos raciais que joga na roda, nem em desenvolver os personagens ou uma reviravolta morna quando revela o assassino e sua motivação. A coisa que a trama mais entrega realmente são as piadas, às vezes daquelas que você nem consegue ouvir a piada seguinte, pois ainda está rindo da anterior. Acho que seja um filme que talvez tenha potencial para virar uma franquia como o Pânico ou até mesmo o Todo Mundo em Pânico, mesmo que aborde assuntos que Wes Craven já tenha tratado há 26 anos.

 

THE BLACKENING (2022)


Direção Tim Story

Duração 97 min

Gênero(s) Horror, Comédia

Elenco Antoinette Robertson, Sinqua Walls, Dewayne Perkins, X Mayo, Melvin Gregg, Grace Byers, Jermaine Fowler +

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