MILK & SERIAL:
- Raffael Petter
- 31 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de abr.
O LOBO SE FANTASIA DE CORDEIRO
E GRAVA PARA TODOS VEREM
Milk e Seven são dois amigos youtubers que vivem de pregar peças um no outro para postar na internet. No entanto, numa dessas vezes, as coisas fogem de controle. Seven realiza a maior e mais ousada peça já pregada entre os dois até aquele momento. Compra uma arma com bala de festim, simula o assassinato de um de seus amigos, na frente de Milk. Porém, o que era para ser somente uma brincadeira, acaba se tornando um jogo doentio, onde Seven de caçador passa a ser a caça.
Com uma produção independente, Milk and Serial consegue ser sagaz num gênero, já desgastado, o found footage. Fica evidente, que Curry Backer, o diretor, não pretende reinventar a roda. E sim, se utilizar de sua linguagem e técnica para deixar os “vlogs” filmados pelas personagens, palatáveis, seguindo um fio narrativo camuflado. Mesmo essa narrativa sendo reeditada, regravada, omitida e descoberta pelas personagens, quase que em “tempo real”. Ele mistura o found footage, “gravações encontradas”, ao vlog, “diário em vídeo”, de forma indissociável. Isso é perceptível, quando as gravações dos crimes cometidos por um dos protagonistas são encontradas, as quais nos são apresentadas na forma de um vlog confessional delirante.
Um grande fotógrafo norte-americano, Ansel Adams, certa vez disse: a fotografia é a arte de congelar um momento no tempo, parafraseando-o podemos dizer: um bom filme é a arte de congelar um momento no tempo. E Milk and Serial faz isso muitíssimo bem ao captar em suas personagens os anseios duma juventude narcisística, vivendo no capitalismo tardio. Onde suas identidades parecem modeladas, configuradas para existirem somente nas superfícies das telas: a vida virtual lhes é o real. Subsistem somente quando filmados, fotografados, compartilhados, curtidos, visualizados e monetizados.
Curry arquiteta um roteiro onde descargas de suspense são disparadas gradualmente na nuca do telespectador. Nos deixando constantemente interessados em saber os próximos passos do serial killer e como as vítimas irão reagir e se defender ao saber da sua verdadeira face.

Em muitas cenas, incute em quem assiste, um misto de perguntas e incômodos, como, por exemplo: sério que esses idiotas estão se deixando manipular feito personagens do The Sims? E esse tanto de apito de cachorro que está mais para gritos histéricos, debochados, sendo ignorados por uma cegueira provocada por uma espécie de ignorância desejada? O que acontece a uma geração que foi ou está privada de um senso básico de história e seus símbolos? Sem referência alguma do que aconteceu? Uma juventude chafurdando no fascismo, indolentemente, pisando descalços em serpentes, prestes a serem picados, envenenados, mortos e engolidos por um sistema necropolítico. Até porque uma das formas mais eficientes de se banalizar o mal é alienar, promover a ignorância. Esvazia símbolos, códigos e gestos da forma vil e vulgar. Disfarçar em brincadeira nas frentes das câmeras. E estar em todo lugar, sem se fazer notar, tornar-se parte do cotidiano… Tais questões e incômodos nos tomam até sermos, finalmente, agraciados com um final catártico, porém agridoce.
Barker escreve, dirige, edita e protagoniza talentosamente essa releitura da fábula do lobo debaixo da pele de cordeiro. Qual na era das telas, o lobo se fantasia de cordeiro e grava para todos verem.
Direção: Curry Barker
Duração: 62 min
Gênero: Terror, Found Footage
Elenco: Curry Barker, Cooper Tomlinson, John Simmonds, Jonnathon Cripple, Tristan Welsh
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